Ele era um colega, que hierarquicamente estava abaixo de mim. Entrou uns anos depois de mim para esta empresa. Foi galgando lugares enquanto um macaco come uma banana. Não me perguntem como, nem porquê. Eu desconfio, mas ia ter de dizer muito palavrão para me justificar, portanto permanecerei uma senhora de bico calado.
De lugar em lugar, de tarefa em tarefa. Pouco me importa se tem a língua negra de tanta bota engraxada, se tem dificuldade em sentar-se ou se comeu o pão que o diabo amassou. Desde que ele não me prejudique, ele lá e eu aqui, e amiguinhos como dantes.
Mas quando a verborreia atinge patamares de superioridade, não há como passar despercebido. Uma pessoa pode ignorar, mas e conseguir? É como tentar ignorar um mosquito a meio da noite, no quarto. Tu bem tentas, mas é mais forte que tu.
A criatura vai fazer uma apresentação numa reunião. Já de si, a situação tinha aqui material de sobra para que o Ricardo Araújo Pereira fizesse um brilharete. O ser está inchado, tem um ego do tamanho do Brasil. Tudo muito bem, se não fossem os erros ortográficos. Que espécie de inteligência suprema é esta que manda em mim e devia estar a repetir a quarta classe?
Reparo no erro e corrijo-o. O 'á' que ele tem escrito em vários sítios não existe. O acento correcto é o grave. Escreve-se 'à'. 'À'!
E ele que não. Que o 'á' é que está correcto. E não corrige.
Aquela criatura acabou de insultar todos os linguistas deste país. Acaba de me dizer que sempre que queremos utilizar a preposição 'a' contraída com o artigo definido 'a', devemos utilizar um acento agudo. Pior que insultar os linguistas deste país, é eu ficar com a certeza de que devia ser retirada a nacionalidade portuguesa a este gajo.
Como é que se explica a uma alface que o acento agudo só existe no 'há'? No 'há' de haver? Numa conjugação verbal? A alface não chega lá.
Eu é que estou errada. Shame on me. Deve ser por isto que não chego a lado nenhum.
A criatura prossegue. O erro continua lá. Ele não o corrige e, pior!, acredita que está correcto. E põe por escrito.
Enquanto isso, na minha mente:
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