Oh sim! Se és mãe, tu compreendes o que estou a dizer. Tu partilhas da mesma sensação [breve] de paz e liberdade.
A minha mais velha tem oito anos. Sempre foi uma paz de alma, uma criança encantadora, aqui-te-deixo-aqui-ficas nem que fosse por quatro horas, ela nem se ouvia. Um encanto.
Imaginem o meu ar de felicidade, de cada vez que falava aos outros da maravilhosa experiência que tinha enquanto mãe. Sem precisar de levantar a voz, sem cabelos brancos, sem rugas. Noites de descanso, passeios tranquilos. Nunca soube o que era uma birra, juro!
Eis que nasce o mais novo. Feitio de caca, igualzinho à mãe - dizia o pai, que nestas coisas chatas são os genes da mãe que vêm à baila - irrequieto, mexido, birrento, chorão. Enquanto não andava, a sua personalidade já dava evidências nos seus actos, mesmo sentado numa espreguiçadeira, sem ir a lado nenhum. Chorava no carro, chorava nos passeios, chorava na escola; só nunca verteu lágrimas para comer, este mini-aspirador, que é capaz de se lambuzar com o que quer que seja. Tímido e de manias, não se podia cantar à frente dele, nem dançar, que o rapaz abria a goela; estranhos, nem pensar! - abria a goela; para adormecer, todo um ritual, que era capaz de nos deixar de rastos e a ele ainda com mais energia.
Hoje em dia, que corre por todo o lado, sinto-me nas lonas. É como se tivesse dado à luz um pequeno polvo. Eu posso afirmar que, tem alturas, que lhe crescem pernas e braços extra, quando amarinha por mim a cima; ou quando arrastá-lo para algum sítio é como ir lutar com um leão. Um verdadeiro circo.
No outro dia fomos ao shopping. Tentei mantê-lo quieto, na zona de crianças da Fnac. Revirou os livros todos, mexeu nos brinquedos. Quando disse que era hora de ir embora, desata a correr loja fora. Eu, que tinha os casacos, os gorros, os brinquedos que eles levam de casa, a minha mala e sei lá que mais nas mãos, começo a correr atrás dele Óh Manel!Óh Manel!Anda cá, não corras, tu cais e ele nada, corria ainda mais depressa. Até que esbarra no pai, que ao ouvir-me gritar, vem ao nosso encontro. Pega nele ao colo e eu tenho uma visão surreal: o puto parece uma enguia electrizada, a espernear no colo do pai;
A mais velha abana a cabeça, agarra-se ao peito, ai que susto, se ele cai, se ele se perde, se ele foge de nós, ai que susto e eu, já a transpirar, ofegante, a amaldiçoar o dia em que nos livramos do carrinho de bebé, que ao menos ia amarrado e sentado e não me fazia passar por isto.
Não contentes com o espectáculo, fomos à worten. O pai vai falar com um funcionário e eu fico com eles. Com a mais velha é fácil, olha aqui os livros, filha! olha os filmes!. Com ele, dois olhos não chegam, duas mãos muito menos. Quando acho que o tenho controlado, dá-se-lhe outro fanico e lá vou eu, a correr que nem uma maluca atrás dele. Óh Manel!!Óh Manel, pára imediatamente, tás a ouvir? Maneeeeel.. Fui parar junto às varinhas mágicas, porque ele entretanto parou em frente a elas a gritar: Shôpa!!! Palmada na fralda, tu não me voltes a fazer isso, decupa mãe, decupa, e eu a rir por dentro. Sacana do puto que só pensa em comida. E a mais velha, ai que susto, ai que se me ia dando uma coisa, que eu pensei que nunca mais víamos o Manel, ai meu Deus, que estou quase a chorar.
Por isso, quando o pai se despachou eu já não quis fazer mais nenhuma visita a loja nenhuma. Pra casa. E aquele momento, em que ele ainda continua a espernear, o sacana do polvo que eu dei à luz e em que ela ainda não se calou um segundo com teorias do nunca tirar os olhos de cima do irmão. Cinto a um, cinto a outro, eles a falar ao mesmo tempo, tira casaco, tira gorro, agora querem os dois o mesmo brinquedo. Fechas a porta.
Olhei para o meu marido, ele olhou para mim. Senti a compaixão no olhar, de quem já está tão extenuado, que parece que levou com um pau na cabeça e acabamos por rir. Rimos daquilo que nunca pensamos que nos fosse possível acontecer. Exactamente 2.3 segundos de paz e sossego.
Abrimos a porta da frente: eles ainda não se calaram. [e ainda bem]
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