Abro os olhos e tenho de novo quinze anos. Já é quase meio-dia, o calor lá fora é absurdo, sinto-me mole e sem energia. Tanto faz se é fim de semana ou quarta-feira. Estou de férias há alguns dias. O melhor e mais aguardado tempo do ano: as férias de verão. Os dias compridos, quentes, sem preocupações, sem horários, sem estudo. As noites de saídas, de amigos, de gelados e café na esplanada, de bares na praia, festas da espuma. Já tenho um bronze de meter inveja e a escola mal terminou. A vantagem de se morar com os pés na praia é mais-que-muita. Ainda andava às voltas com os testes e os exames e já passava tardes inteiras na praia. E não troco isto por nada.
Mas agora que os dias de férias chegaram, a minha vida resume-se a isto: acordar-almoçar-praia-jantar-sair-dormir. A minha mãe ainda não diz nada, mas lá para Agosto há-de gritar dia-sim-dia-não: «Deves achar que isto é um hotel! É só para dormir e comer!» E eu não vou ligar nenhuma, vou fazer ouvidos de mercador, que lá do alto dos meus quinze anos, a adolescência ataca com todo o seu fervor e só eu e as minhas amigas é que entendemos o verdadeiro sentido da vida. Logo, a minha mãe é uma louca histérica que só sabe dramatizar e complicar.
O meu canto é o paraíso. A agua é azul clara, quente; o areal é fino e grande. Não se precisa muito para ir: enfio o bikini, ponho a toalha debaixo do braço e levo uns trocos nos calções. Se não conseguir uma boleia com alguém, há sempre um autocarro a cinco minutos de distância. E se não me importar muito, sempre posso ir a pé. Ir à praia nestes dias é um pouco como voltar a estar no pátio da escola. Está quase lá meio mundo de amigos e conhecidos. E não usamos relógio. Ainda não foram inventados os telemóveis para o comum consumidor. Música só das colunas que as barracas de praia põem a tocar, ou o som de alguma viola por ali. Às vezes levo a minha e logo a seguir se juntam mais uns três ou quatro e estamos horas a tocar músicas que mal sabemos as letras e os acordes. Mas somos importantes por isso. É uma espécie de grandeza para o nosso ego. Com quinze anos, queremos ser conhecidos e populares. Ou pelo menos ser considerados 'fixes'.
Só sabemos que está na hora de voltar a casa quando já muita gente se foi embora e o sol começa a desaparecer para os lados de Albufeira. É a nossa deixa. Correr para casa, tomar banho, vestir o que aparecer, jantar e sair.
Sair para irmos ter com os mesmos amigos com quem passámos a tarde, quiçá conhecer gente nova, encontrarmos os filhos dos emigrantes da terra (que regressam a cada verão religiosamente). Rir muito, brincar muito, ter paixões de verão que são tão assolapadas como breves. E viver num misto de felicidade-infeliz porque sabemos que duram apenas quinze dias.
Todas as noites há festas nas praias. Fazemos fogueiras, dançamos, bebemos. De vez em quando vamos à discoteca dançar até ser de manhã. Numa tasca lá da terra fazem tostas toda a noite. Ou então vamos comprar pão-quente e uma barra de manteiga à padaria e fazemos do jardim da nossa terra a nossa cozinha. É raro chegar antes da uma. A minha mãe também costuma chegar tarde, porque depois de trabalhar também gosta de sair. Uma ou outra vez nos cruzamos à porta de casa e vou ouvindo o sermão da rica vida que levo durante estes meses. Do alto dos meus quinze anos, reviro os olhos e replico: tive óptimas notas, sou uma aluna-exemplar, ando na catequese e na Tuna, nunca me meti em drogas e confusões. Ela aceita, mas contrapõe sempre. Eu reviro os olhos mais uma vez. No fundo, já pouco oiço do que diz. Estou demasiado embrenhada em todas as sensações que uma rapariga de quinze anos sente. Especialmente quando é verão.
E aproveito os dias como se não houvesse amanhã. Porque é dessa rebeldia e inocência que somos feitos quando temos quinze anos. Sôfregos por viver. E fecho os olhos, mesmo sem vontade de adormecer, sabendo que no próximo dia viverei mais uma vez este estado de felicidade. Pouco sabendo do futuro, que não estará assim tão longe, em que nenhuma destas coisas se voltará a repetir.
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