Tenho um amigo que conheço praticamente desde que nasci. 5 dias separam o nosso aniversário. Embora tenhamos 'crescido' juntos, sempre tivemos educações diferentes. Eu, maria-rapaz sempre muito senhora do meu nariz, livre como o vento, fiz todas as asneiras que fazemos quando temos idade para as fazer. Apaixonei-me perdidamente e achei que ia morrer quando não fui correspondida; saí à noite para sítios que a minha mãe nem imaginava, faltei às aulas para ficar no café, fumava com as amigas cigarros roubados aos pais, muito escondidas; tive algumas notas más e rezava para que a minha mãe não descobrisse os testes; as minhas mãos suavam cada vez que havia reunião de pais; cresci e tornei-me naquilo que sou hoje.
O meu amigo cresceu com o fantasma da mãe e da avó materna a acharem que o menino era sobredotado, por isso diferente dos outros; cresceu com o peso dos excelentes e dos 100%, da melhores notas da escola, que a mãe lhe impunha; do cabelo alinhado e de nunca fazer um disparate sob pena de levar uma valente tampona. Não ia nas visitas de estudo, porque era demasiado perigoso; sair à noite era para os vadios e delinquentes; festas de anos só aquelas que decorriam à tarde e num ambiente controlado por adultos; Nunca cresceu, sobreviveu. E quando se apanhou fora de casa, quando entrou na universidade, a 300 km de casa, partiu a loiça toda.
Apaixonou-se pelas pessoas erradas, levou pontapés da vida, vendeu a alma por diversão, amor e loucura. E claro, não estudou. De sobredotado passou a desleixado, porque, na realidade, ele não sabia como ter bons resultados na escola sem ser por interferência da mãe. Depois de alguns anos a passear livros, os pais tomaram uma atitude, já em desespero, montaram-lhe um negócio que não vingou.
De um dia para o outro desapareceu. Deixou uma carta a dizer que ia em retiro espiritual, deixou o telemovel, o computador, as roupas Lacoste e o carro. E partiu.
Ontem, a minha mãe contou-me que os pais dele choram a toda a hora. O meu amigo partiu para o Gabão. Voluntário numa missão. Partiu.
Quando tudo falha, ele procurou a fé para se manter vivo. E, acho eu, encontrou a melhor forma de dar o seu contributo. Teve a coragem de largar tudo para se entregar a uma vida de sacrificio e compaixão. Eu acho isso lindo. E tenho orgulho nele. Os pais choram e culpam a fé por ele ter partido. Eu culpo-os a eles por não terem sabido prepará-lo para a vida. Coisa que ele está a fazer agora, aos 33 anos.
Comentários
Não lhes serviu de nada toda a capa e cerca a volta do menino!
Ainda bem que ele conseguiu encontrar o caminho, e talvez consiga ser feliz!
Gostei do final da historia, e para dizer a verdade, estava a espera, de pior... normalmente encontramos casos de completa desgraça.
Baci*
Não digo que não possamos proteger os nossos filhos, mas há que deixar uma porta aberta para crescerem a fazer as suas loucuras.
Espero que ele encontre o caminho dele.
É DE LOUVAR A ATITUDE DO TEU AMIGO.
Quando li o teu texto a tua pessoa o que fizeste , feza me lembrar tudo o que fiz, sempre fui assim, fiz coisas impensaveis na cabeça dos meus pais, mas tive sempre a consciencia do que andava a fazer.
Bjs uma boa sexta