Imaginem que estão a assistir a uma prova de selecção, juntamente com os responsáveis dos recursos humanos, para seleccionar pessoas que vão trabalhar sobre a vossa alçada.
Agora imaginem uma sala com uns vinte candidatos. Nós, os dos lugares descansados, observamos os exercícios propostos, a dinâmica da coisa, vamos tomando notas, avaliando. Eles, os dos lugares em risco, tentam mostrar aquilo que valem, que são, o que conhecem e até que ponto estão empenhados em conseguir um emprego. Porque é mesmo disso que se trata, ou não estariam ali para outra coisa.
E é aqui que eu quero chegar com isto tudo. Parece-me que há por aí muito boa gente que quando se candidata a um lugar, deve achar que só pelo simples facto de se mostrar fisicamente, o empregador só teria mesmo de se ajoelhar a seus pés e promovê-lo logo ali. Ou não teriam a coragem de não dizer coisa com coisa numa prova de selecção. É como, pura e simplesmente, não abrir o pio, quando o lugar se trata de ser locutor de rádio.. Mas não foi a isto que eu vim aqui. Adiante.
Eis que no meio de algumas pessoas assim, naquele grupo, uma rapariga sobressai. É-lhe colocada uma questão simples.
- Acha que para este trabalho é importante ser-se metódico?
- Hã? Diga?
- Metódico! Neste trabalho é importante ser-se metódico? Ter um método de trabalho..
- Aiii... hihihi... não... hihihi...
- Não?
-Aiii.. sim... hihihi... não sei... sim, pronto.
- Então? Sim ou não?
-Aiii.. estou tão nervosa. Faça a pergunta a outro.. não sei.. aiiii.. é que estou tão nervosa que agora já não sei, estou confusa.
- Pronto. Acalme-se lá. Não precisa de ficar nervosa, então. Tenha lá calma e pense lá um bocadinho.
(a rapariga já a transpirar por todo o lado, a abanar a cara com as mãos, a tapar os olhos, em pânico)
-Aiii!! Já lhe disse.. não consigo responder a isso.. estou tão nervosa, não sei, estou confusa.. aiiii... .... .... metódico?... ... ahhhh.... aiiiii não sei....
(e nós a arregalarmos muito os olhos porque não estavamos a perceber o porque de tanto stress)
-Pronto, eu dou uma ajudinha – diz o psicólogo – é um trabalho que obedece a regras, que tem uma maneira para se proceder, logo é...?
-Olhe.. – e a rapariga desata a chorar – eu estou muito nervosa, porque antes de vir para aqui, deixei cair o bláqbérri do meu marido e partiu-se todo e ele ainda não sabe e quando eu chegar a casa..
(e choro, muito choro.. perante uma sala em silêncio,incrédula , boquiaberta com o que estava a ouvir)
- Bem, se a senhora quiser sair para apanhar um pouco de ar e recompôr-se, pode fazê-lo. Nós gostávamos de prosseguir com aquilo que nos trouxe aqui.
Ela saíu, voltou passados uns minutos. Participou no que ainda restava da prova.
Evidentemente, não foi seleccionada. Mas deixou-me a pensar nela. Obviamente pelo pânico de morte que mostrou ter do marido, depois porque naquele dia devem ter chovido chapadões e pontapés naquela casa. Porque a violência nem sempre se consegue esconder atrás de maquilhagem. E porque, ironicamente, a violência fisica, verbal e psicológica é sempre metódica.
Comentários
Fiquei mais do que impressionada...
Nem consigo imaginar a pressao psicologica (e provavelmente nao so) a que essa pobre rapariga deve estar sujeita para ter entrado nesse nivel de desespero e falta de controlo por causa de uma simples pergunta... que, veio a despoletar tanta coisa que para ali estava guardada...
So espero que ela possa ter ajuda o mais rapidamente possivel e que, de uma forma metodica e definitiva, elimine a(s) fonte(s) do seu desiquilibrio!